Miriti reúne tradição, inovação e sustentabilidade no Pará
- Mayra Leal
- 31 de out.
- 4 min de leitura
Em mais uma reportagem da série “Bio Valor: os caminhos da socioboeconomia no Pará”, conheça detalhes da cadeia produtiva do miriti. Em destaque, o projeto transformado em case de sucesso, que fará parte da Vitrine da Indústria Sustentável da Jornada COP+

Em outubro, as ruas de Belém se enchem de cores, sons e cheiros que anunciam o Círio de Nazaré e, junto com a fé, vem também a magia dos brinquedos de miriti. Feitos a partir da madeira leve do miritizeiro, palmeira típica das áreas alagadas da região, esses brinquedos artesanais são conhecidos como o “isopor natural da Amazônia”. Desde 1793, eles colorem a procissão nazarena e encantam gerações com suas formas vibrantes, que retratam a fauna, a flora e o cotidiano amazônicos.
Mas o miriti vai além da arte. Da árvore, tudo se aproveita: o fruto do buriti dá origem a doces, compotas e licores; a palha serve para a construção de cabanas; e as fibras viram redes e utensílios. A fibra é um símbolo da sociobioeconomia amazônica e da criatividade que transforma realidades. A tradição dos brinquedos feitos com essa madeira leve é uma herança indígena secular, passada de geração em geração e mantida viva por centenas de famílias artesãs de Abaetetuba, no nordeste paraense, cidade que é reconhecida como o berço do brinquedo de miriti.

Na família Ferreira, esse ofício é mais que trabalho, é história, identidade e orgulho. “A nossa família está prestes a completar 90 anos de atividade com o miriti. Eu comecei aos 11 anos, indo para Belém vender as peças durante o Círio, e este ano completo 40 anos de profissão”, conta o artesão José Roberto Ferreira, o Mestre Beto.
Guardião dessa tradição, Mestre Beto transformou o que aprendeu ainda menino em uma arte que hoje atravessa fronteiras. Seu talento ganhou projeção nacional ao levar a leveza e o colorido do miriti para a Marquês de Sapucaí, durante o desfile da Escola de Samba Grande Rio, que homenageou o Pará com o enredo “Pororocas Parawaras: As Águas dos Meus Encantos nas Contas dos Curimbós”, em março deste ano.

“Foi uma grande surpresa receber o convite. O governo do Estado entrou em contato comigo e me chamou para confeccionar as peças da escola de samba. Nem eu sabia que o meu nome já tinha chegado tão longe”, relembra, emocionado, o artesão. “Foi uma honra imensa para mim e para a minha equipe. Ver um artesão daqui de Abaeté, de um bairro simples, mostrando o seu trabalho para o mundo inteiro, foi emocionante. Fizemos tudo com muito carinho. Ver as peças na Sapucaí foi indescritível, era o nosso miriti ganhando o mundo”, conta.
Ao todo, nove artesãos participaram da produção de 4.200 peças entre cobras, barcos, canoas, araras e imagens de Nossa Senhora de Nazaré que encantaram o público da Marquês de Sapucaí e de todo o Brasil, com a leveza e a poesia da arte amazônica.
Criatividade fez do miriti ferramenta de educação

Na cidade de Santa Bárbara, na região metropolitana de Belém, o miriti também se transformou em instrumento de educação, despertando nas novas gerações o orgulho pela cultura local.
Foi nesse contexto que nasceu, em 2003, a Startup MiritiLab, criada pelo educador e empreendedor social Raimundo Xavier. Inspirado pela curiosidade das crianças que se encantavam com carrinhos e balões feitos nas ruas da comunidade, Xavier idealizou kits educacionais que unem tradição amazônica e inovação tecnológica. A iniciativa surgiu dentro do Projeto Social Espaço de Aprendizagem Criativa Ação Parceiros, desenvolvendo uma metodologia própria de ensino baseada na filosofia “aprender, fazer e brincar” na aprendizagem criativa.
O trabalho rendeu reconhecimento internacional, a MiritiLab foi certificada pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) no Desafio de Aprendizagem Criativa – RBAC e também pela Scratch Foundation/MIT Media Lab, como Espaço de Educação Colaborativo.
Hoje, a MiritiLab é uma edutech (educação e tecnologia) de impacto social que utiliza o miriti, material leve, natural e biodegradável para criar experiências de aprendizado lúdico e sustentável. “O impacto dentro da comunidade é imenso. Criamos um espaço educacional diferenciado, reconhecido pelo MIT, e o primeiro espaço constitucionalista para a educação no Brasil”, destaca Xavier.

Os kits são produzidos em parceria com artesãos locais, fortalecendo a economia criativa e valorizando o saber tradicional. “Quando utilizamos o miriti, estamos conectando cultura, educação e tecnologia para desenvolver o maior potencial do ser humano: a criatividade. É essa filosofia que o MIT reconhece no mundo todo”, completa o fundador.
O impacto social da MiritiLab é notório, o projeto já atendeu 15 comunidades, alcançando mais de 1.200 crianças e 5.800 famílias de forma direta e indireta, além de entregar doações anuais de mais de 900 cestas básicas, distribuir 350 kits educacionais e formar 130 educadores em Aprendizagem Criativa.
O reconhecimento do miriti como expressão da cultura e da sustentabilidade da Amazônia é crescente. Em 2009, o brinquedo de miriti foi declarado Patrimônio Cultural do Estado do Pará pela Lei nº 7.282, e posteriormente reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Colorido, leve e cheio de significado, o miriti é um exemplo de como a sociobioeconomia amazônica pode unir tradição, inovação e sustentabilidade.
*A série “Bio Valor” é uma iniciativa da Jornada COP+, liderada pela FIEPA, que traz reportagens mensais sobre histórias e informações dos principais produtos da sociobioeconomia da Amazônia Brasileira. A série conta com a consultoria de Joana Martins, Diretora Executiva no Instituto Paulo Martins e líder do Comitê de Sociobioeconomia da Jornada COP+. A iniciativa também está alinhada ao Programa de Sociobioeconomia da Jornada, que está criando uma plataforma digital para medir o valor desta economia no Pará. A plataforma servirá como um mapa das cadeias de produtores, associações, cooperativas e indústrias que compõem esse ecossistema no estado.
Por Nicole Oliveira, sob supervisão de Mayra Leal.







