Com propriedades medicinais, copaíba conquista indústria de cosméticos e fortalece a bioeconomia
- Mayra Leal
- há 1 dia
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Em mais uma reportagem da série “Bio Valor: os caminhos da socioboeconomia no Pará”, conheça iniciativas que transformam a copaíba em inovação e renda*

De tradição amazônica, o óleo de copaíba se destaca cada vez mais como aposta promissora das indústrias cosmética e farmacêutica. Usado há séculos por comunidades amazônicas, o óleo é reconhecido por suas propriedades anti-inflamatórias, cicatrizantes e antimicrobianas, atributos que o tornaram um pilar da medicina popular e, mais recentemente, um ativo cobiçado pela indústria. Além disso, sua extração não exige o corte da árvore, característica que faz da copaíba um recurso estratégico para a bioeconomia.
Conhecido como “antibiótico da mata”, o óleo é extraído do tronco de uma gigante da Amazônia. Capaz de atingir até 35 metros de altura, a árvore kopa’yba, de nome originado do tupi, pode ser encontrada tanto em terra firme, como em terras alagadas, às margens de lagos e igarapés. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) , no Brasil, há 16 espécies de copaíba, presentes principalmente no bioma amazônico e no Cerrado. Elas são consideradas produtoras de óleo-resina, e têm popularmente utilização medicinal, além do uso na indústria cosmética e farmacêutica, e como aditivo na fabricação de vernizes e tintas.
Para explorar a copaíba comercialmente, o produtor precisa fazer um plano de manejo autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). No manejo sustentável da copaíba, o óleo-resina é retirado a partir de um furo feito no tronco da árvore. Todo este cenário favorece iniciativas inovadoras que mostram como é possível integrar floresta, comunidade e mercado.
Uma destas iniciativas está em Belém. É a Bioilha, marca paraense que transforma saberes tradicionais e insumos amazônicos em cosméticos sustentáveis. A empresa incorpora o óleo de copaíba em produtos como óleo vegetal 100% puro, sabonete líquido com cumaru, sabonete em barra feito da casca da copaíba, iluminador da Amazônia (clareador), blend vegetal regenerador e xampu natural. Os insumos vêm da produção de pequenos produtores e comunidades extrativistas, fomentando renda, preservação e manejo consciente.

A Bioilha nasceu em 2019, quando a pedagoga Danielly Leite, então servidora pública, começou a produzir sabonetes naturais em casa como alternativa mais saudável e econômica ao uso diário. Com apenas R$300, o que era um hobby rapidamente se tornou um negócio promissor, impulsionado pela demanda crescente. Em 2023, após quatro anos de produção artesanal, a empresa inaugurou sua fábrica em Icoaraci - distrito de Belém - e estruturou uma cadeia produtiva baseada em práticas sustentáveis e parcerias com famílias extrativistas do Norte, em especial mulheres que preservam e transmitem o conhecimento ancestral da floresta. “A Bioilha atua como agente de transformação no mercado de cosméticos sustentáveis da Amazônia. Unimos ciência, tradição e responsabilidade social para valorizar a floresta em pé e fortalecer toda a cadeia produtiva local”, afirma Danielly Leite, idealizadora da marca.
Todos os produtos utilizam formulações que priorizam ingredientes biodegradáveis, óleos vegetais puros e processos de baixo impacto ambiental. “Mais do que vender cosméticos, nosso compromisso é promover a bioeconomia, fortalecer o protagonismo das mulheres da região Norte e oferecer produtos eficazes, acessíveis e verdadeiramente sustentáveis”, complementa Danielly.
A empresa possui parceria com a Cooperativa Mista Agroextrativista das Comunidades e Aldeias da Resex Tapajós Arapiuns (Cooperios), localizada em Santarém, no oeste do Pará. A cooperativa faz o manejo florestal sustentável e realiza atividades agroextrativistas na região, reunindo e apoiando extrativistas de bioativos amazônicos. Ao comprar diretamente de extrativistas, a Bioilha também garante renda justa, rastreabilidade e manejo sustentável assegurando que o óleo percorra um caminho íntegro da floresta até a fábrica.
Cada lote recebe informações detalhadas: região de coleta, comunidade envolvida, extrator responsável, data e método de extração, além de análises físico-químicas. O acompanhamento garante legalidade, sustentabilidade e respeito ao ciclo natural da floresta e das árvores de copaíba. “Trabalhar com a copaíba é estimular um desenvolvimento que protege o bioma e reconhece o papel das pessoas que dependem da floresta em pé. É um ativo que une saúde, tradição, inovação e impacto social”, enfatiza Danielly.
Da perfumaria artesanal à referência regional

A copaíba também é um dos principais ativos de uma das marcas de biocosméticos mais tradicionais da região: a Chamma da Amazônia. O óleo de copaíba está presente em produtos da marca, como hidratante, sabonete, loção pós-barba, creme de massagem, óleo de massagem, xampu, condicionador e etc. Também sediada em Belém, a Chamma da Amazônia existe há mais de cinco décadas, e carrega desde os primeiros frascos produzidos, uma relação com os aromas e saberes da floresta.
A história da empresa começou com Oscar Chamma, descendente de libaneses, nascido no Acre, que decidiu unir insumos da floresta a matérias-primas que importava, criando produtos de perfumaria que se destacavam pela originalidade e pela força aromática. Com o apoio da esposa e da sobrinha, ele criou uma pequena perfumaria de produção manual, que prezava pelo cuidado artesanal e respeito ao meio ambiente.
Ao longo dos anos, a empresa construiu uma identidade sólida ao traduzir elementos da cultura amazônica em produtos autorais de beleza e bem-estar que unem tradição, pesquisa e tecnologia. Desde 1990, a empresa está sob a liderança da filha de Oscar, Fátima Chamma, que manteve o propósito da marca criada pelo pai, mas ampliou a visão de negócios. A Chamma da Amazônia se alinhou às tendências de sustentabilidade, ao desenvolvimento de pesquisas sobre insumos naturais em parcerias com universidades, instituições e comunidades extrativistas, consolidando-se como referência em cosméticos inspirados na floresta.

Fátima Chamma relembra que a copaíba sempre esteve presente no cotidiano da família, tanto na saúde, quanto na perfumaria. “Eu lembro desde criança que minha avó fazia nossos curativos. Se tinha um corte, passava copaíba e cicatrizava rápido; se tinha dor de garganta, era mel com uma gotinha de copaíba e uma de andiroba. O fato é que realmente cicatriza, realmente desinflama. Por outro lado, eu vi meu pai usar a copaíba até como fixador de perfume. Ou seja, a copaíba tem uma larga utilização e benefícios inegáveis”, conta a empresária.
Há também um cuidado com a cadeia produtiva. De acordo com Fátima, o desenvolvimento de cada produto envolve um processo rigoroso de coleta, purificação e adequação dos insumos naturais, sempre em parceria com quem vive da floresta. “Nós fomos criando uma cadeia que trabalha com comunidades, com cooperativas e com a extração do óleo, sua purificação e o ajuste. Para desenvolver uma fórmula aquosa, precisamos do produto adequado para fórmula aquosa; para uma fórmula oleosa, o mesmo. Tudo isso exige muito cuidado”, conta a empresária.
A marca segue o compromisso de desenvolver produtos que respeitam o meio ambiente, valorizam a sociobiodiversidade amazônica, e oferecem ao consumidor uma experiência sensorial a partir da cultura regional. Todo o processo de produção preserva a diversidade, saberes e histórias da floresta e de seus povos. Para Fátima, a força da marca está justamente na capacidade de honrar o passado enquanto se renova. “O legado deixado pelo meu pai era o conhecimento que ele tinha, o que fizemos foi acompanhar a evolução do mercado da beleza, um setor altamente competitivo, cheio de lançamentos e inovação. Eu fui buscando esse aprendizado que herdei e transformando isso em uma marca que continua crescendo”, finaliza.
*A série “Bio Valor” é uma iniciativa da Jornada COP+, liderada pela FIEPA, que traz reportagens mensais sobre histórias e informações dos principais produtos da sociobioeconomia da Amazônia Brasileira. A iniciativa também está alinhada ao Programa de Sociobioeconomia da Jornada, que está criando uma plataforma digital para medir o valor desta economia no Pará. A plataforma servirá como um mapa das cadeias de produtores, associações, cooperativas e indústrias que compõem esse ecossistema no estado.
Por Nicole Oliveira, estagiária sob supervisão de Mayra Leal



