Produção de óleo de andiroba gera desenvolvimento econômico, conecta comunidades ribeirinhas e preserva a floresta amazônica
- Mayra Leal
- há 9 horas
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Em mais uma reportagem da série “Bio Valor: os caminhos da socioboeconomia no Pará”*, conheça detalhes da cadeia produtiva da andiroba na região
Óleo de Andiroba (Foto: Amazon Oil)
Um elixir natural com propriedades medicinais, capaz de curar diversas enfermidades, e até combater o envelhecimento. Esse é o óleo de andiroba, um dos produtos mais consumidos na Amazônia e de grande importância para a subsistência das comunidades ribeirinhas e indígenas. No Pará, o extrato faz parte da medicina popular, e é uma alternativa sustentável para a indústria dos cosméticos, sendo utilizado como hidratante, antioxidante e cicatrizante.
O nome andiroba deriva da palavra “nhandyroba”, termo tupi que significa "óleo amargo". Essa designação faz referência ao líquido extraído das sementes da planta Carapa Guianensis. A árvore é nativa da região amazônica e pode atingir até 30 metros de altura, sendo utilizada nas áreas de marcenaria, carpintaria e medicina natural. Até a primeira metade do século passado, o óleo de andiroba era utilizado para a iluminação pública e doméstica, antes da popularização da energia elétrica.
Atualmente, ele também desperta o interesse da indústria farmacêutica, dos cosméticos e da comunidade científica. “A andiroba é uma espécie muito versátil, ela tem um grande valor econômico por conta das ações terapêuticas, antioxidantes, repelentes. O óleo de andiroba é indicado para tratamentos anti-inflamatórios, cicatrizantes, hidratantes, e como repelente natural. Na cosmética, em produtos de higiene e cremes de massagem. E o que era um conhecimento popular, hoje pode-se dizer que é científico, e com efeitos terapêuticos comprovados. Por isso, também é muito usado em produtos farmacêuticos e fitoterápicos”, destaca Fátima Chamma, vice-presidente do Sinquifarma - Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos, Petroquímicos, Farmacêuticos, Perfumaria e Artigos de Toucador do Estado do Pará.

De acordo com a vice-presidente, todos os associados do sindicato que trabalham com óleos e cremes, utilizam o óleo de andiroba, e o produto tem uma demanda de mercado crescente. “Tanto no mercado nacional como no mercado internacional, há uma procura por produtos naturais e sustentáveis. E o óleo de andiroba é procurado por suas propriedades fitoterápicas e biotecnológicas, com possibilidade de gerar produtos que movimentam mercados cosméticos e farmacêuticos de forma bastante consolidada”, ressalta.
A valorização dos saberes amazônicos e de produtos como o óleo de andiroba se reflete em diversos setores da indústria, especialmente na região Norte do Brasil. Os principais produtores do óleo no país estão na Amazônia. No último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2017, existiam 767 estabelecimentos agropecuários que utilizam produtos da extração vegetal da andiroba no Pará, ficando atrás apenas do Amazonas, com 904 estabelecimentos. Mas apesar de ter menos unidades, o Pará lidera em volume produzido, com 310 toneladas, sendo a maioria (207) comercializada na forma de sementes.
Parte dessa produção é transformada em óleo vegetal, reconhecido por suas propriedades anti-inflamatórias e antissépticas, agregando valor ao produto. Dados de 2022 da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) registraram uma produção de 115,5 toneladas no Brasil, o equivalente a aproximadamente 6,3 mil galões de 20 litros. Do total, 87% estão concentrados no Amazonas e no Pará, enquanto os 13% restantes estão no Maranhão.
O produto também ganha espaço no mercado internacional. Uma projeção da Future Market Report, organização de consultoria empresarial, feita em 2024, apontou que o setor, na época avaliado em 137,5 milhões de dólares, deve alcançar 265,3 milhões de dólares até 2032, com crescimento médio de 8,5% ao ano. Os principais destinos de exportação incluem Estados Unidos, França, Alemanha e Espanha, onde o óleo é utilizado em cosméticos, fitoterápicos e produtos de cuidados pessoais.
Associação de Mulheres Extrativistas do Combú preserva tradição da andiroba no Pará
No Pará, os saberes ligados ao uso da andiroba são fortalecidos por iniciativas comunitárias. Moradoras da comunidade de Piriquitaquara, na Ilha do Combu, em Belém, criaram a Associação de Mulheres Extrativistas do Combu para valorizar o modo artesanal de produção do óleo e preservar um conhecimento ancestral. “A associação foi um resgate de uma cultura que estava se perdendo, já esquecida pelas pessoas”, afirma a presidente da associação, Daniele Sarmanho. A ideia surgiu a partir de uma conversa entre a professora Flávia Cristina Araújo Lucas, pesquisadora da UEPA, sobre a Ilha do Combu, e Dona Nena, empreendedora ribeirinha e fundadora da chocolateria Filha do Combu, que recordou como sua avó produzia o óleo de forma artesanal. “Chamamos algumas mulheres para explicar sobre a importância do projeto e, depois de alguns encontros, formou-se a associação”, conta Daniele.

Na Associação, o trabalho segue técnicas tradicionais. As sementes são selecionadas, lavadas e cozidas. Em seguida, passam por um período de fermentação de um mês, até serem quebradas e amassadas em um processo totalmente manual. A atividade, que começou de forma voluntária, agora é fonte de renda. “É gratificante você trabalhar com o que gosta, e ter um retorno financeiro. No início era tudo voluntário, mas sempre fizemos com amor”, afirma a presidente Daniele Sarmanho. Ela conta que além da dimensão econômica, o trabalho envolve sabedoria ancestral transmitida entre gerações. Um dos ensinamentos mais fortes é a crença de que mulheres grávidas, no período menstrual ou pessoas vistas como portadoras de “energia negativa” não devem participar da produção da andiroba. Segundo os mais velhos, a proximidade dessas mulheres poderia “cortar” ou enfraquecer o óleo, fazendo com que ele não rendesse, não curasse ou perdesse sua potência medicinal. A justificativa, dentro da lógica cultural, é que o corpo da mulher nesses períodos carrega uma energia instável, capaz de interferir no processo.

Apesar das dificuldades causadas pelas mudanças climáticas, a associação mantém a produção ao armazenar matéria-prima e recebe doações de equipamentos. O objetivo não é vender em grande escala, e sim trabalhar de acordo com o meio ambiente. A presidente destaca que o óleo é produzido manualmente para preservar suas propriedades. O grupo também produz sabonetes, repelentes e cremes, mas o principal objetivo é preservar a tradição. “Que jovens e crianças venham aprender, para que essa cultura continue viva”, finaliza Daniele Sarmanho.
Empresa alia inovação e parceria com comunidades para expandir óleos amazônicos
O óleo de andiroba combina tradição, sustentabilidade e potencial econômico, sendo um exemplo de como produtos amazônicos podem gerar desenvolvimento local sem comprometer a floresta. Além de atender à demanda nacional e internacional, sua produção valoriza saberes ancestrais, fortalece comunidades extrativistas e reforça a importância de conservar a biodiversidade da Amazônia.
Fundada em meados dos anos 2000, a Amazon Oil, localizada na Região Metropolitana de Belém, é uma das principais empresas na produção de óleos vegetais e manteigas nativas da região. O trabalho alia tecnologia própria a parcerias com comunidades extrativistas, transformando saberes tradicionais em produtos de larga escala que alcançam o mercado nacional e internacional.

Os insumos utilizados nos produtos da empresa vêm da produção familiar de 46 comunidades da Amazônia, em um processo que garante a coleta sustentável e a preservação das árvores nativas. A empresa também gera impacto social, ao ajudar na promoção de qualidade de vida nas localidades ribeirinhas envolvidas na produção de sementes de andiroba. “Um exemplo é a Vila do Jubim, em Salvaterra (Marajó), onde uma das moradoras vendeu mais de duas toneladas de sementes nos primeiros meses e conseguiu melhorar sua casa. Logo, toda a comunidade percebeu o impacto. Com o tempo, as casas foram reformadas, chegaram energia elétrica e eletrodomésticos. Foi um processo de inclusão real”, relembra o diretor de operações da empresa, Igor Morais.
Igor é engenheiro mecânico de formação e Diretor de Produção da Amazon Oil, mas herdou da família a ligação com a floresta e o conhecimento tradicional sobre os óleos amazônicos. A família de Igor Morais mantém uma tradição de mais de duas gerações no uso de plantas e óleos da região, com destaque para o óleo de andiroba. Além da influência da bisavó, os saberes sobre o produto foram ensinados e transmitidos pela erveira da família, que preparava remédios caseiros e compartilhava o conhecimento sobre os extratos naturais, reforçando a valorização do saber popular da Amazônia.

Na fábrica, a Amazon Oil investe em tecnologia para atender à crescente demanda pelo óleo de andiroba, principalmente do setor de cosméticos, seguido pela saboaria artesanal e pela indústria farmacêutica. O produto também conquista mercados internacionais, com forte aceitação no Reino Unido e no Canadá, onde cresce o interesse por ativos naturais e sustentáveis.
Conciliar crescimento com preservação da floresta é, segundo Igor Morais, o propósito da empresa. “Para produzir uma tonelada de óleo de andiroba, é necessário que as árvores estejam em pé. Quanto maior a demanda, mais os extrativistas são incentivados a proteger e até plantar novas árvores, garantindo a sustentabilidade da produção e da floresta”, conclui. Além do óleo de andiroba, o portfólio da empresa reúne atualmente quase 30 produtos, como manteiga de cupuaçu, óleo de pracaxi, óleo de castanha-do-pará e manteiga de murumuru, sendo que os cinco principais já somaram entre 500 e 600 toneladas de produção ao longo de 10 anos.
*A série “Bio Valor” é uma iniciativa da Jornada COP+, liderada pela FIEPA, que traz reportagens mensais sobre histórias e informações dos principais produtos da sociobioeconomia da Amazônia Brasileira. A série está alinhada ao programa de sociobioeconomia da Jornada, que está criando uma plataforma digital que vai medir o valor desta economia no Pará. A plataforma servirá como um mapa das cadeias de produtores, associações, cooperativas e indústrias que compõem o ecossistema da sociobioeconomia do estado.
Realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e Instituto Amazônia+21, a Jornada COP+ é correalizada pela Hydro, com o patrocínio super master da Vale e da Albras e patrocínio premium da Guamá Tratamento de Resíduos, SINOBRAS e Bayer. A iniciativa foi idealizada pela Temple Comunicação e tem o apoio da Ação Pró-Amazônia, Consórcio Interestadual Amazônia Legal, Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), SESI e SENAI.